
O BARULHO DA
REPRESSÃO
O MOVIMENTO PUNK
O Punk Rock surgiu a partir de 1965 nos Estados Unidos e Inglaterra, numa época em que o mundo passava por transformações políticas e econômicas. Foi em meio à estas mudanças que o punk começou a engatinhar, tornando-se em pouco tempo um dos principais expoentes - e último - dos movimentos que contestavam a cultura e a sociedade, ou seja, um movimento contracultural da história contemporânea. A palavra PUNK no dicionário inglês significa algo como madeira podre e ainda pode trazer diversas derivações, como algo baixo e vil ou até mesmo delinquente juvenil.
Devido à grande crise econômica que assolava as classes menos favorecidas, a juventude desempregada e mal sucedida se identificou com tal colocação, criando uma associação entre uso da palavra punk e a criação do movimento.
Sid Vicious, baixista do Sex Pistols. Reprodução: Fanpop.
A filosofia do Do It Yourself [faça você mesmo] e atitudes de caráter destrutivo são outras características desta vertente que fez surgir entre suas principais bandas o MC5 (primeiro grupo a juntar agressividade musical com ideias políticas subversivas), New York Dolls e Ramones e que em pouco tempo se expandiu para a Inglaterra, emergindo em meados dos anos 1970, com grupos que se tornaram grandes ícones do movimento, como o The Clash e Sex Pistols, lançada por Malcom MacLaren, ativista cultural radicado em Londres e precurssor da moda punk, ao criar junto à estilista Vivienne Westwood, a boutique chamada Let It Rock (depois rebatizada de Sex). A loja possuía estética claramente violenta, contendo figuras, cores e frases com alto teor agressivo.
Até o início da década de 1980, praticamente todos os países teriam uma cena de punk rock. Sobretudo o Brasil. Por aqui as primeiras bandas punks emergiram em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, aproximadamente em 1977, durante a transição democrática dos governos militares de Ernesto Geisel e João Figueiredo. Não se sabe ao certo onde o movimento nasceu primeiro, embora os músicos de cada capital defendam o surgimento da vertente dentro de sua respectiva cidade. As primeiras bandas punk nacionais surgiram entre os anos de 1977 à 1983 e entre elas podemos citar: Condutores de Cadáver, AI-5, Restos de Nada e Cólera, de São Paulo; Coquetel Molotov do Rio de Janeiro; Aborto Elétrico e Plebe Rude, de Brasília.
Especialmente em São Paulo inúmeros grupos como AI-5 (que ocultava seu nome dos cartazes e shows que fariam pela periferia temendo represálias do governo militar), Condutores de Cadáver, N.A.I. (Nós Acorrentados no Inferno), e o Cólera se formaram dando início ao cenário punk paulista. O começo foi cheio de dificuldades, visto que as bandas não tinham condições financeiras para patrocinar aparelhagem e instrumentos, além de sofrerem com forte preconceito por parte da sociedade, entre eles seus próprios familiares, que não entendiam o que se passava na cabeça daqueles garotos.
AI-5 (1978) Reprodução: Google. Banda Cólera. Reprodução: Casa da Músicca.
O bairro de Vila Carolina, localizado na Zona Norte de São Paulo, entre a Freguesia do Ó e o Bairro do Limão, abrigou os primeiros e grandes nomes do punk paulista. Considerado um bairro da periferia, era cercado por fábricas e comércio. A maioria dos músicos e seguidores do movimento viriam de lá. Já no grande ABC as bandas começaram a se formar por volta de 1978 com os grupos Passeatas, Ulster e Hino Mortal, e faziam parte de gangues, principalmente da Anjos do ABC, que em pouco tempo se tornou a maior e mais conhecida da grande São Paulo. Os seguidores do movimento passaram a assumir uma postura ainda mais ideológica, com a adesão de novos punks de outros bairros de São Bernardo, especialmente do Jardim Lavínia, região de classe média. O bairro tornou-se o ponto de encontro do movimento no ABC.
Em 27 e 28 de novembro de 1982 aconteceu no Sesc Pompéia em São Paulo, um evento que se tornaria seria o estopim do movimento punk não apenas na cidade paulista, como em todo o Brasil. O festival O Começo do Fim do Mundo. Idealizado pelo jornalista e dramaturgo Antônio Bivar e pelos punks frequentadores da loja Punk Rock Discos, na Galeria do Rock, tinha como objetivo consolidar o movimento em todo o Brasil e manter um clima pacífico entre gangues rivais. O evento contou com a presença de vinte bandas, sendo dez da capital e as outras dez do grande ABC que tocaram de graça e bastante motivados a ter um registro fonográfico de suas performances no palco do Sesc. O festival atingiu a incrível marca de 4.000 punks que se viram surpresos com a quantidade de seguidores do movimento no Estado de São Paulo e com a presença da mídia internacional interessada em cobrir os shows. Vale ainda ressaltar que além das apresentações das vinte bandas punk, aconteceram também exposições fotográficas que exibiram os trabalhos de Toninho Prada, Carla Reichaman, Vânia Toledo, Ugo Romiti e Antônio Bivar e a projeção dos filmes Rude Boy e Punk Rock Movie, ambos com a temática do movimento. Ao fim dos shows do segundo dia, a Polícia Militar do Estado de São Paulo invadiu o local e houve confronto com o público. Muitos saíram feridos e 25 pessoas foram presas. Testemunhas garantiram que não ouve confusão que explicasse a presença da PM no local. E o punk paulista colheu as sementes da repressão e do preconceito.



Por Rose Gomes